domingo, 9 de maio de 2010

O Último Tango

Quem me segue no Twitter deve ter lido que fiz um tremendo feng-shui - meio que mandatório - aqui em casa, numa tentativa - até então frustrada - de localizar um documento do carro.

Entre os achados, um bloquinho do Meliá Buenos Aires, com 3 folhinhas escritas em janeiro de 2007. Se eu publiquei este texto, foi no blog que o Globo.com fez o favor de apagar. Então reproduzo-o abaixo:

Já havia mencionado que corrigi - graças a minha irmã Moniquinha - um erro histórico e comecei a ler "Quando Fui Outro", um apanhado de textos de Fernando Pessoa.

Ok, ele escreve muito. Eu me sinto bastante inculto ao ler, pois me faltam os significados de diversos termos. Do que eu entendo, tirei uma conclusão até o momento: Fernando Pessoa era completamente surtado!

E talvez seja mal do nome, mas me peguei querendo decorar alguns trechos do que ele escreveu.

Vejam por exemplo este fragmento de Há Doenças Piores Que As Doenças:
"Há angústias sonhadas mais reais que as que a vida nos traz"

É, o surtado me tocou fundo com essa. Na semana passada, cá estava eu angustiado. Estou em processo de mudança de emprego e tive que passar minhas atividades para meu chefe argentino, pois minha substituta argentina está de férias e meu pedido de demissão os pegou de calças curtas. Tive um ligeiro desentendimento com meu chefe via e-mail por conta da data da minha viagem - apesar de o interesse em aprender as atividades fosse dele, eu tive que fazer o sacrifício de fazer duas viagens internacionais em uma semana. Basicamente ele queria que eu fosse um dia antes e ficasse dois dias mais e eu expus que não atenderia por completo o pedido dele - parece normal, mas foi tenso. Desde então, uns dois dias antes da viagem, comecei a antecipar discussões, imaginar foras que eu levaria e como os responderia. Agoniei-me de verdade, senti frio no estômago, fiquei inquieto e ganhei pelo menos três novos fios de cabelo branco.
E no final o que aconteceu quando cheguei à Argentina? Fui muito bem recebido e não tivemos uma sombra de discussão.
Moral da história: "Há angústias sonhadas mais reais que as que a vida nos traz".

E a conclusão da moral da história: abri as pernas, frouxo que sou, e concordei em fazer a tal segunda viagem internacional da semana, simplesmente para encontrar minha substituta que concedeu um dia de suas férias exclusivamente para ir ao escritório me encontrar e pegar algumas atividades ela mesma.

Não é novidade para ninguém que tive alguns algozes argentinos no último ano. Sofri um bocado com esses cucarachos, talvez por excesso de zelo e responsabilidade (e dizem que perfeccionismo não é defeito!)

E assim foi até o último momento: a tal substituta argentina não apareceu no dia de férias que dedicaria a me conhecer. Fiz uma viagem internacional de madrugada à toa, pois a bonitinha resolveu retornar da sua viagem no dia seguinte. Egoísta é o termo mais suave que me ocorre.

Moral da história: Fernando Pessoa era surtado, argentinos são - com raríssimas exceções - grandes filhos da puta e eu me alegro cada vez mais por terminar este capítulo e "move on".

Como nos poemas de Pessoa, tudo começa com uma linguagem rebuscada e termina com um "merda", "chega" ou "basta".

Em Operário, Pessoa diz: "A minha vida mude-a Deus ou finde-a". A minha, Deus mudou.

Passei o dia anterior a essa segunda viagem querendo inventar desculpas, ficar doente, perder o voo, como se algo superior me dissesse "fique em casa, Fernando". Mas fui. Duas horas de atraso, fui dormir às 5h da manhã e ao chegar ao escritório às 10h, descubro que fui à toa. Até eu mesmo me surpreendi com a serenidade com que recebi a informação: tipo com um botão de "foda-se" ligado, como quem já acha graça de tanto desrespeito, pois sabe que rirá por último e melhor: eu me vou e levo comigo tudo que sei. Eles ficam com uma fração e dificilmente conseguirão aumentar o numerador para chegar num inteiro. Essa é a ironia, minha vitória final.

Ressentimento? Sim, um pouco - é perceptível e inegável, não? Mas afinal, nenhum relacionamento termina sem uma pitada de ressentimento.

Meus pulmões estão cheios e minha garganta entalada. Quero gritar um grito de liberdade: "Estou livre! Livre, porra!". Essa minha história com a Argentina acabou. Essa minha história com os argentinos acabou. Talvez eu ainda volte ao país, talvez interaja com os hermanos de novo, mas esta viagem me deu o que buscava desesperadamente: "closure".

Don't cry for me Argentina. Acá en Brasil estamos tan felizes...

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