terça-feira, 21 de setembro de 2010

Cachinhos

Sentei no sofá de frente para ela, um tanto quanto constrangido. No quarto ao lado, um coquetel de calmantes nocauteara a mulher que um dia amei. Estampada em meu rosto a dor pela morte do meu melhor amigo. Diante de mim, uma criança ainda jovem demais para lidar com a brutalidade do ocorrido.
Enquanto nossos olhos travavam uma batalha imensa pela maior velocidade de queda de lágrimas, ela, munida de sua mais sincera vulnerabilidade, perguntou-me num sopro de voz: "Você vai ser meu novo pai?"
Minha primeira resposta ficou detida por um golpe de glote. Ah, como teria sido fácil contar-lhe a verdade que me sufocava desde que ela era nada mais que um sinal de positivo num teste de farmácia.
Mas apenas funguei, recompus-me e disse: "Ninguém pode tomar o lugar do seu pai, minha querida". E com a alma mais partida que cristal estilhaçado, deitei-a em meu colo e afaguei seus cachinhos, tão parecidos com os meus.

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